Sexta-feira, 26 de março (de 1736)
“A minha vida está sempre correndo perigo, mas não me esqueço da tua Lei” 1
Esta manhã, bem cedo, o Sr Oglethorpe me chamou para contar sobre o aborto sofrido pela Sra Lawley; por lhe ter sido negado acesso ao Doutor quando de sua hemorragia. Ele parecia muito zangado ao me acusar do fato dizendo que seria um tirano se passasse por cima de sofrimentos intoleráveis.
Respondi que não sabia nada do assunto e que era muito duro isso ser imputado a mim; que, desde o início, Hermsdorf havia dito ao Doutor que poderia visitar a quem, dentre seus pacientes, lhe aprouvesse. Mas o doutor não fez isso. Eu neguei ter a menor participação em todo esse assunto, como o próprio Hermsdorf já havia declarado. Ele (o Sr Oglethorpe) me disse: “O próprio Hermsdorf me assegurou que o que fez foi por sua sugestão”. Eu respondi: “O Sr deve ter entendido mal o inglês imperfeito dele, pois muitos o ouviram dizer o contrário disso”. No entanto, eu é que estou sendo acusado de todo o mal.
“Como pode ser”, disse ele, “que não possa haver amor, mansidão, a verdadeira religião entre o povo? Mas, ao invés disso, meras orações formais?”
“Quanto a isso, posso afirmar por eles que não têm mais de certa piedade do que de poder. Raramente tenho mais do que seis pessoas no serviço público.”
“Mas o que um descrente diria sobre você causar essas desordens?” “Bem, se eu tivesse causado isso, ele poderia dizer que não há nada na religião; mas o que isso significaria para aqueles que a experimentaram? Eles não diriam isso”. Ele me disse que as pessoas estavam cheias de medo e confusão; que era muito mais fácil governar mil do que sessenta pessoas; pois em um número tão pequeno, a paixão de cada um era considerável; que ele não se atreveria a deixá-los antes de se estabelecerem, etc. Eu perguntei a ele: “Você quer que eu pare de conversar completamente com meus paroquianos?” A isso, não consegui obter resposta e continuei: “A razão pela qual não interferi a favor ou contra o Doutor foi porque ele, no início, me acusou de sua prisão. Falei menos com meus paroquianos nos últimos cinco dias do que em qualquer tarde anterior. Eu evitei aparecer em público, para que meu conselho não fosse solicitado, ou para que, se eu ouvisse outros conversando, meu próprio silêncio não fosse interpretado como um conselho. Mas um argumento da minha inocência eu posso dar, que poderia até mesmo o convencer disso. Eu sei que minha vida está em suas mãos; e você sabe que, se você franzir a testa para mim e der a menor indicação de que seria agradável para você, a maioria dessas pessoas miseráveis diria ou juraria qualquer coisa.” Ele concordou e admitiu que o caso era o igual para todos eles. “Você vê que minha segurança depende apenas da sua opinião sobre mim. Não seria loucura, então, em tal situação, eu provocá-lo perturbando a paz pública? Inocência, eu sei, não me dá a mínima proteção; mas minha confiança plena está em Deus.” Nesse momento, alguém nos interrompeu e eu o deixei.
Eu não estava mais preocupado com o acontecido depois de ler as palavras na lição da manhã: “Não podes seguir-me agora; mas me seguirás depois.” (João 13, 36.) Amém. Quando quiseres. Teu tempo é o melhor.
O Sr. Oglethorpe, ao me encontrar à noite, perguntou quando eu faria as orações. Eu disse que esperaria sua decisão. Enquanto as pessoas chegavam lentamente, “O Senhor vê”, disse eu, “eles não dão tanta importância às formas.” “A razão disso é porque outros as idolatram”. “Acredito que alguns deixam de vir por esse motivo.” “Não sei disso.” O Sr. Oglethorpe ficou na minha frente e se juntou audivelmente às orações. O capítulo foi escolhido para mim e eu o li com grande ousadia, como segue: “Eu te encorajo solenemente, na presença de Deus e de Cristo Jesus, que há de julgar os vivos e os mortos, por ocasião da sua manifestação pessoal e mediante seu Reino: Prega a Palavra, insiste a tempo e fora de tempo, aconselha, repreende e encoraja com toda paciência e sã doutrina. Porquanto, chegará o tempo em que não suportarão o santo ensino; ao contrário, sentindo coceira nos ouvidos, reunirão mestres para si mesmos, de acordo com suas próprias vontades. Tu, no entanto, sê equilibrado em tudo, suporta os sofrimentos, faze a obra de um evangelista e cumpre teu ministério. Na minha primeira defesa, ninguém se fez presente para me ajudar; pelo contrário, todos me desampararam. Contudo, que isto não lhes seja imputado em juízo. Todavia, o Senhor permaneceu ao meu lado e me abençoou com forças para que por meu intermédio a Mensagem fosse plenamente proclamada, e todos os que não são judeus a ouvissem. E eu fui livrado da boca do leão! Assim, o Senhor me livrará também de toda a obra maligna e me conduzirá a salvo para o seu Reino celestial. A Ele seja a glória para todo o sempre. Amém!” (II Tim 4:1-3,5,16-18)
1 Charles Wesley cita aqui o Salmo 119 :109
O diário do Rev. Charles Wesley Tradução de trechos do original por Simei Monteiro The Journal of the Rev. Charles Wesley: Some Time Student of Christ Church, Oxford, to which are Appended Selections from His Poetry with an Introduction and Occasional Notes Autor Thomas Jackson - Editora Baker, 1980 mais informações